O comportamento no trânsito na qualidade de pedestre e de
ciclistas, os usuários do espaço público sentem-se agredidos, inferiorizados e
subordinados à lógica selvagem e agressiva do trânsito.No papel e na
posição de pedestre e ciclista, o usuário tem sua sensibilidade despertada e
aguçada para o estilo irracional e agressivo de dirigir. Primeiro porque está
em geral só e sem a proteção do veículo que não lhe serve de couraça, armadura
ou trincheira. Depois porque não tem nenhuma capacidade para revidar à altura
de seus perseguidores e agressores. Finalmente porque, quando interage com os
outros veículos, sabe que pode ser mais facilmente humilhado, agredido e, em
última instância, vitimado. É justamente, portanto, quando está do lado de fora
de algum veículo que os entrevistados revelam uma maior consciência dos padrões
da irracionalidade competitivo-agressiva do trânsito. Com isso, tendem a
acentuar o comportamento dos motoristas, deixando de lado a presença dos outros
atores que também fazem parte do mesmo cenário e, diga-se de passagem, de seu
próprio comportamento ilegal e malandro nesta paisagem tão dramaticamente
marcada por toda sorte de riscos, trapaças e ilegalidades.
A responsabilidade
pelo que é avaliado como caos cabe aos motoristas, que, por desleixo dos órgãos
competentes, e por conta de sua notória falta de educação, fazem o que bem
entendem nas ruas da cidade, pondo em risco seus transeuntes.
Por outro lado, o pedestre põe em risco a sua vida
quando não tem paciência em esperar o sinal verde, ou de caminhar um pouco mais
em direção a uma passarela, não hesita em dar um jeitinho, caminhando entre as
levas sucessivas dos veículos em trânsito, ocupando paulatinamente espaços
vazios e relativamente seguros, como ressaltos, calçadas no meio da avenida, ou
se protegendo por trás de postes. No final da travessia, há o triunfo por ter
mostrado aos panacas ou babacas que ainda estão esperando na calçada como é
possível desafiar o sinal e sobreviver à fúria dos motoristas. O que para o
observador é um risco, para ele é tempo ganho, demonstração de que sabe andar
nas ruas de uma grande cidade, enfrentando com classe o movimento e, acima de
tudo, o bom uso do tradicional jeitinho brasileiro, que nessas arriscadas
travessias supera o você sabe com quem está falando? promovido pelos veículos
motorizados. Inútil discutir se poderia existir um meio de aborda-los para lhe
aplicar multas, como ocorre em outros países. Sua condição de pobreza legitima
o abandono das leis e justifica até mesmo a criminalidade aberta e a
malandragem estabelecida promoveria sérios conflitos caso se tentasse
estabelecer uma punição.
Quando, entretanto, esses indefesos pedestres e ciclistas
se transformam em motoristas e tomam a direção de um carro de passeio, táxi,
ônibus ou caminhão, a avaliação muda radicalmente. Identificando-se com o
prestígio e o poder conferido pela máquina que dirigem, esses pobres pedestres
transformam-se em pessoas motorizadas, ou supercidadãos. Esperam que, nos
contextos igualitários do trânsito, sejam reconhecidos como gente de prestígio.
Um prestígio que nem sempre desfrutam na sociedade. Agora, no comando do
volante, eles se julgam isentos da obrigação de obedecer as normas do mundo
público - esse mundo que, no Brasil, até hoje toma a desobediência e a
manipulação da lei como provas definitivas de superioridade social e política.
Video:Pateta O Senhor Volante.flv
Fonte: Youtube
A casa e a rua – Roberto DaMatta
Fé em Deus e pé na tábua – Roberto DaMatta
Jornal a tarde – 13/05/2013
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