quarta-feira, 15 de maio de 2013

CIDADANIA NO BRASIL



Ser cidadão é algo que se aprende, e é algo demarcado por expectativas de comportamento singulares. No papel de cidadão, portanto, aprendo que devo ser universal e tenho de abandonar as complementaridades, contrastes e gradações que são elementos cruciais na definição de status social. Deixo de ser uma jovem universitária, deixo de ter um nome de família e uma cor; deixo de ser natural de um dado local geográfico e de ter determinada profissão. Acabo também com minhas predileções e singularidades para me tornar uma entidade geral, universal e abstrata, dotada de igualdade e dignidade. O papel social de indivíduo é uma identidade social e de caráter nivelador e igualitário. Essa seria sua característica ideal e normativa, de modo que, como cidadão, eu só clamo direitos iguais aos de todos os outros cidadãos. 

Ocorre que, no Brasil, a noção de cidadania sofre uma espécie de desvio, seja para baixo, seja para cima, que a impede de assumir integralmente seu significado político universalista e nivelador. Os processos históricos e culturais revelam um estado colonial que não operava a partir de agentes privados, mas de instituições e leis que ele mesmo criava como seus instrumentos de progresso, mudança e controle. Trata-se de um modo de organização burocrática, onde o todo predomina sempre sobre as partes e a hierarquia é fundamental para a definição do papel das instituições e dos indivíduos. Isso explicaria certamente o chamado “individualismo” brasileiro e latino-americano como uma modalidade de reação às leis do Estado colonizador, em oposição ao individualismo norte-americano, que é o criador de leis.

No Brasil, por contraste, a comunidade é necessariamente heterogênea, complementar e hierarquizada. Sua unidade básica não está baseada em indivíduos (ou cidadãos), mas em relações e pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos.

O cidadão é uma entidade que está sujeita à lei, ao passo que a família e as teias de amizade, as redes de relações, que são altamente formalizadas política, ideológica e socialmente, são entidades rigorosamente fora da lei. Um milagre brasileiro permanente é, sem dúvida, o fato de que não há reflexão social sistemática sobre essas teias de amizade e solidariedade que, no mundo político, são a substância do noticiário político e dos comentários sociais dos chamados “colunistas”. Ou seja, não se acredita que a sociedade brasileira seja um sistema marcado por redes de relações pessoais que atuam de modo altamente formalizado e de modo instrumental, sem qualquer referência direta à posição econômica ou à convicção ideológica

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