Ser cidadão é algo que se
aprende, e é algo demarcado por expectativas de comportamento singulares. No
papel de cidadão, portanto, aprendo que devo ser universal e tenho de abandonar
as complementaridades, contrastes e gradações que são elementos cruciais na
definição de status social. Deixo de ser uma jovem universitária, deixo de ter
um nome de família e uma cor; deixo de ser natural de um dado local geográfico
e de ter determinada profissão. Acabo também com minhas predileções e
singularidades para me tornar uma entidade geral, universal e abstrata, dotada
de igualdade e dignidade. O papel social de indivíduo é uma identidade social e
de caráter nivelador e igualitário. Essa seria sua característica ideal e
normativa, de modo que, como cidadão, eu só clamo direitos iguais aos de todos
os outros cidadãos.
Ocorre que, no Brasil, a
noção de cidadania sofre uma espécie de desvio, seja para baixo, seja para
cima, que a impede de assumir integralmente seu significado político
universalista e nivelador. Os processos históricos e culturais revelam um
estado colonial que não operava a partir de agentes privados, mas de
instituições e leis que ele mesmo criava como seus instrumentos de progresso,
mudança e controle. Trata-se de um modo de organização burocrática, onde o todo
predomina sempre sobre as partes e a hierarquia é fundamental para a definição
do papel das instituições e dos indivíduos. Isso explicaria certamente o
chamado “individualismo” brasileiro e latino-americano como uma modalidade de
reação às leis do Estado colonizador, em oposição ao individualismo
norte-americano, que é o criador de leis.
No Brasil, por contraste, a
comunidade é necessariamente heterogênea, complementar e hierarquizada. Sua
unidade básica não está baseada em indivíduos (ou cidadãos), mas em relações e
pessoas, famílias e grupos de parentes e amigos.
O cidadão é uma entidade que
está sujeita à lei, ao passo que a família e as teias de amizade, as redes de
relações, que são altamente formalizadas política, ideológica e socialmente,
são entidades rigorosamente fora da lei. Um milagre brasileiro permanente é,
sem dúvida, o fato de que não há reflexão social sistemática sobre essas teias
de amizade e solidariedade que, no mundo político, são a substância do
noticiário político e dos comentários sociais dos chamados “colunistas”. Ou
seja, não se acredita que a sociedade brasileira seja um sistema marcado por
redes de relações pessoais que atuam de modo altamente formalizado e de modo
instrumental, sem qualquer referência direta à posição econômica ou à convicção
ideológica.
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